CONTOS
01 - A POETISA DO
COCÃO DO PADRE
COCÃO DO PADRE
O céu estava azul,
nenhuma nuvem pairava no firmamento, o sol brilhava e em seu redor, mas por
trás, deixava aparecer uma pequena névoa que com a luminosidade dele formava
uma belíssima coroa dourada. Para um exímio observador podia-se ver raios que
atingiam o Cocão do Padre que se refletiam nas árvores e ofuscavam os
frequentadores habituais do logradouro público da cidade. Na verdade o Cocão do
Padre era um chafariz, o mais frequentado e o mais importante, um prefeito
habilidoso aproveitara a área circundante da fonte para fazer um belíssimo
jardim, uma praça, um anfiteatro. As pessoas amantes da paisagem esplendorosa
do lugar se deliciavam com as cuidadosas orquídeas de várias tonalidades:
Lilás, brancas, amarelas, azuis, etc., que as rodeavam o Cocão do Padre, e não
só as orquídeas como também roseiras, bons-dias, boas-noites, cravos, cravinas,
hortênsias, lírios, margaridas e outras, que eram plantadas em canteiros que
separavam os bancos dispostos em forma circular, são treze bancos, que foram
doados por ilustres habitantes da cidade, por comerciantes e por políticos
através de sorteio. Nos encostos dos bancos curvilíneos podiam-se ver nomes
encravados em letras grandes e pintadas de escarlate e outras douradas, tendo
por fundo, uma Estrela de Davi, eram nomes engraçados, além dos nomes dos
bancos tinham também os nomes dos seus doadores - Alguns afirmavam que os nomes
representavam os filhos do patriarca Jacó, o bíblico: (Ruben, Simeão, Levi,
Judá, Issacar, Zebulom, Gade, Aser, Dã, Naftali, José e Benjamim, e a filha
Diná), outros que eram nomes de deuses: (Terra, Mercúrio, Vênus, Marte,
Júpiter, Urano, Saturno, Netuno, Plutão, Sete-estrelo, Urso e Órion), e os mais
afoitos e intelectuais chamavam de personagens folclóricos. Nos bancos
podiam-se ver os nomes: Saci-pererê, Caipora, Lobisomem, Cuca, Iara, Papa-Figo,
Comadre Fulozinha, Boitatá, Mula Sem Cabeça, Mãe-d’água, Corpo-seco, Pisadeira
e Boiúna. Além de plantas ornamentais de pequenos portes, podiam-se ver
palmeiras imperiais, ipês roxos, amarelos e brancos, e flamboyants, que pelo
natal caiam as folhas e surgiam flores branco-avermelhadas se parecendo com
arranjos natalinos, por essa razão o flamboyant é também conhecido como árvore
de natal.
O Cocão do Padre era
visitado por muita gente, pessoas se deliciavam com a beleza do logradouro. O
logradouro tinha o formato de anfiteatro. As pessoas iam sentir o perfume suave
das flores, outras: Principalmente mocinhas vinham como os seus cântaros
apanhar água potável para beber e lavar as louças, outras vinham namorar,
outras vinham tratar de negócios e outras vinham com a intenção de ver as
calçolas das moças que se agachavam para apanhar a água e não se incomodavam em
serem vistas e até faziam por onde suas ancas e suas calcinhas coloridas fossem
expostas com se fossem carne penduradas nas vitrines nos açougues. Senome
morava no Cocão do Padre, fugira de casa aos dez anos, após ser brutalmente
espancada pelo padrasto, que queria violentá-la, ela não permitindo as
intenções do padrasto, fora ameaçada, assim resolveu fugir. Agora tinha treze
anos, uma menina-moça linda e assustada, quase selvagem, só saia do seu
esconderijo quando se certificava que no Cocão do Padre não tinha ninguém.
Num recanto do Cocão tinha um banco que ficava
junto à escadaria, era um espaço oco, e com certa habilidade a menina
conseguira com algumas tábuas fazer um rude quarto e também uma portinhola. Do
improvisado quarto, ela podia observar tudo sem ser vista pelos ocupantes do
logradouro.
Certo dia o jardineiro flagrara a menina, foi
um momento de muita aflição e medo, tentara escapulir, mas quando ia entrando
no esconderijo, o jardineiro agarrou-a pelo braço e perguntou, queria saber o
porquê dela fazer morada ali.
- Quem é você? O que
você está fazendo? Não tem casa não menina? Cadê os seus pais?
- Eu não tenho pai e
nem mãe, eu não tenho ninguém para tomar conta de mim – Não me mande ir embora,
não tenho pra onde ir – Me ajude pelo amor de Deus.
- Como vou lhe ajudar,
esta história está mal contada – Sente aí, quero saber tudo, você não pode
ficar morando nesta loca, você é uma menina, vivendo sozinha, sem roupa - E
como você se alimenta?
Simone narrou toda a
sua vida ao jardineiro, à medida que escancarava a sua triste história, as
lágrimas jorravam de seus belos olhos azuis, escorrendo face abaixo molhando os
farrapos que serviam de vestimenta.
- Meu senhor - Eu não tenho pai, meu pai
morreu, e sim, um padrasto safado que quis abusar de mim, com medo fugi de
casa, a minha mãe não se importava com o assédio de meu padrasto, uma vez eu observei
ela conversando o meu padrasto, ela disse que era normal, e se ele quisesse me
molestar tinha a aprovação dela, que não se importava, e seria muito bom, eu
poderia render muito dinheiro, eu poderia ficar com os homens e eles pagariam
bem por que eu sou uma menina muito bonita e grande, e disse mais, se meu
padrasto, se cansasse dela, minha mãe, me tinha, para servi-lo. Senti-me
desamparada, com medo, sem apoio de minha mãe e de ninguém resolvi sair de
casa. Sabe meu senhor, onde eu morava, era um prostíbulo, a gente morava num
quartinho e era um entra e sai dos diabos, tanto minha mãe, como o meu padrasto
não me respeitavam, as nossas comas serviam para eles venderem os seus corpos
para qualquer pessoa, e jaziam questão para eu vê-los, isso foi me enchendo de
ódio, essa é a minha história. E digo mais, já me acostumei com a minha sina e
me sinto abençoada morando aqui nessa loca como o senhor diz, por isso não me
mande ir embora, eu não tenho onde morar, eu imploro pelo amor a sua família.
- E você conhece a
minha família? Como?
- Sim, muitas vezes eu
tenho visto a sua esposa e as suas filhas brincando aqui nessa praça. Sinto uma
saudade medonha, tem dia que eu gostaria muito de poder brincar com as suas
lindas filhas, pelo pouco que eu entendo da vida, eu posso afirmar que o senhor
tem uma família diferente da minha, o senhor tem uma família bonita e feliz.
Mas eu não posso, eu não posso ser descoberta.
- Quanto tempo você
está nessa loca? Será que eu devo acreditar em sua história, me parece que você
é bem espertinha – Sabe menina, sinto muito, você não pode viver aqui, nesse
Cocão do Padre, vou falar com o Conselho Tutelar para arranjar um lugar para
você ficar, aqui é que você não pode ficar, pois se ficar eu serei cúmplice e
posso até ser preso – Quantos anos você tem?
- Eu tenho treze anos.
Faz três anos que eu moro aqui?
- Treze anos! – Três
anos que está aqui? Menina, você é muito boa em ocultismo, essa é uma história
e tanto – Você está mentindo. Acho bom você contar a verdade. Como você toma
banho e se alimenta?
- Bem! Eu me lavo
quando não tem mais ninguém aqui - Eu saio de minha loca, e quanto à
alimentação, eu como os restos de comida que ficam em cima dos bancos: Sanduíches,
balas, biscoitos, bolachas, bolos, bananas, outras frutas. Tem um casal de
senhores já bastante idosos todos os dias se sentam no banco chamado Comadre
Fulozinha, deixa comida para os pássaros e os saguis. Confesso meu senhor - Se
não fossem eles eu há muito tempo tinha morrido de fome. Assim que cheguei aqui
eu passei três dias sem comer, quase eu morri, foi aí que esse casal de anjos
apareceu e tem me sustentado todo esse tempo, sem saber de minha existência, é
claro que eu divido a boia com os pássaros e os saguis, me dá uma vontade de agradecê-los,
porém não posso. Outro dia eu quase fui pega, um casal de namorado que
costumeiramente se senta neste banco que é a porta de entrada de minha casa, peço-lhe
que não me julgue, eu tenho roubado muitas vezes os sanduíches que eles trazem,
eu fiz um buraco que dá para o banco, quando eles estão no bom-bom, eu pego um
sanduíche, não pego os dois para não provocar muita confusão, afirmo ao senhor
que é muito engraçado quando eles questionam quem comeu um sanduíche – O
namorado diz que foi a namorada e a namorada diz que foi o namorado - o
xingamento é grande, depois eles dizem que foram os saguis, e assim a harmonia
é estabelecida, isso me dá um prazer enorme e me encoraja para eu segui em
frente, e permanecer aqui, é muito divertido, eu sei de cada história que o
senhor não imagina, de quando em quando alguém deixa uma roupa, camisa, calça,
blusa, vestido, sandália, jornais, revistas, cadernos canetas, lápis e muitas
coisas que me servem muito, eu apanho-os
dou um trato. O meu divertimento é ler e fazer poemas eu já fiz muitos, quer
que eu declame um para o senhor?
- Quero sim.
- Não ria de mim, como é o nome do senhor?
- Zé do Cocão do Padre.
- Esse nome eu já sei, o seu nome de batismo.
- Eita menina abusada! É uma enrolação medonha... - Eu
me chamo José Palmeirindo da Silva.
- Eu sou Senome, habitante do
Cocão do Padre, vou declarar um poema de minha autoria
MENINO DANADO
Eita! Menino sapeca
Do jeito que o diabo gosto,
Com o sorriso encantador
Faiscando em relances
E se derretendo em amores.
Seus lábios carnudos em busca de paixão
Procurando um delicioso pousar.
Envolvido em tremores
Trepidando em fulgores
Querendo animar.
O peito tremula o coração
Estufado pela pressão
Querendo pular.
Eita! Menino sapeca
Do jeito que o diabo gosto,
Com o sorriso encantador
Faiscando em relances
E se derretendo em amores.
Seus lábios carnudos em busca de paixão
Procurando um delicioso pousar.
Envolvido em tremores
Trepidando em fulgores
Querendo animar.
O peito tremula o coração
Estufado pela pressão
Querendo pular.
O rubor das maçãs do rosto
Se inflamando em volúpias
E imaginando se entregar
Ao embalo, à paixão e ao amor.
Eita! Menino dos meus sonhos...
Daria meu amor em troca dos teus pensamentos.
Voaria entre as nuvens
Conquistaria as estrelas
E até o firmamento.
Andaria em teu corpo em delírios,
Navegando entre as águas
Da clarividência do meu ser.
- Que maravilha, você é
uma poetisa, está de parabéns, confesso que eu estou altamente impressionado
com você, você é especial – Mas continue com a sua história...
- Bem! Quando saí de casa
eu trouxe alguns objetos, e o estojo de costura, linhas, tesouras, dedal, faca,
alicate, agulhas e outros bagulhos - Aprendi a ser esperta, é a lei da
sobrevivência. Uma coisa me deixa triste, é a falta de alguém para conversar,
mas já estou acostumada com os cânticos dos pássaros e principalmente dos
saguis, estes sim, são meus amigos de verdade, é com eles que eu me desabafo,
rio, choro, conto as minhas alegrias, as minhas tristezas, as minhas mazelas, a
saudade de meu pai, das minhas colegas de escola - Uma coisa eu afirmo com toda
convicção - Eu não sinto nenhuma saudade de minha mãe e de meu padrasto, e nem
das mulheres e dos homens do prostíbulo. Na verdade eu tenho penha de minha
mãe, e tenho orado por ela, para que ela deixe aquele miserável, se arrependa
das coisas feias que fazem, e que me procure.
- Menina - Como é o seu
nome?
- Sabe de uma coisa, eu
não tenho nome – apaguei-o de minha memória, enterrei-o quando eu deixei a
minha casa, eu me chamava Simone, agora eu me chamo de Senome.
Seu Zé do Cocão do
Padre, como é chamado, José Palmeirindo da Silva, trabalha como jardineiro há
mais de doze anos, estava abismado com a história da garota Simone: A sua
eloquência, a sua intrepidez, a sua beleza, a sua linguagem correta, o seu fantástico
poema e a sua firmeza em detalhar a curiosa e a arriscada vivência no Cocão do
Padre. Sentia a grande diferença entre ela e as suas filhas: Bem tratadas,
amadas, a felicidade batendo à porta, tinha uma linda esposa e duas pedras
preciosas que formavam uma família feliz, via suas filhas brincando com as
coleguinhas e vizinhas, comparava a garota do Cocão com a sua filha mais velha
que tinha a mesma idade, começando a ser uma mocinha - A orientação da mãe - A
ensinar-lhes o caminho da verdade e da vida, o comportamento, a união, os bons
costumes, sentia-se triste em observar uma pobre menina vivendo escondido numa
loca de uma praça, de sua cidade, justamente a praça em que dedicava o seu amor
ao trabalho voluntário, edificante, prazeroso, a alegria de ver o crescimento e
a floração das plantas ornamentais, que eram lisonjeadas e apreciadas pelos
frequentadores, e dos inúmeros elogios recebidos. Muitas mulheres pediam
conselhos e mudas, o que eram atendidas, isso deixava a sua alma profundamente
alegre, tinha consciência de sua competência e dedicação à fauna e à flora,
pois tinha o curso superior de agronomia, que brilhantemente fizera na
Universidade Federal. É bom esclarecer que o doutor Zé do Cocão do Padre
trabalha numa grande empresa horto-granjeiro, mas mesmo assim, continuava a dar
a sua parcela de conhecimento ao Cocão do Padre, o seu primeiro emprego, que
foi o começo de sua vida universitária. Ponderava quando fora envolvido pela
emoção, os brilhantes olhos azuis da menina que lacrimejavam se cravaram em
seus olhos castanhos, isso foi a gota d’água para o durão Zé do Cocão do Padre
desabar, sem controle abraçou a menina como se fosse a sua filha Viviane, os
dois se sentaram no banco Comadre Fulozinha, e em pensamento traçou um plano
para tirar Simone da praça.
Foi neste estado
emotivo que a sua esposa e as suas filhas flagraram o casal de chorão sentado
no banco da praça.
- O que é isso meu velho? – Que chororô?
Perguntou a sua esposa atordoada, sem entender as reais circunstâncias.
- As filhas perguntaram
– Papai quem é essa moça, o senhor está chorando?
- Não... Não... Não... Esta
menina está perdida - Vamos levá-la para casa, ela não pode viver aqui nessa
loca - Neste Cocão do Padre.
- Vamos com clama,
explique melhor essa história. Virando-se para a menina perguntou - Quem é
você?
- Eu sou Senome, melhor,
eu me chamo Simone, o seu esposo descobriu o meu esconderijo, eu moro aqui
dentre, debaixo desse banco, não me tirem daqui, eu não tenho onde morar, tudo
que eu tenho está aqui.
-
Que história é essa? É verdade seu Zé.
- Sim - É a mais pura
verdade, essa menina há três anos vive escondida aqui, eu a descobri há poucos
instantes. Vamos levá-la para casa, aqui ela não pode ficar.
Viviane juntamente com a sua irmã Vivian
perguntaram a Simone se elas podiam olhar o seu esconderijo. A menina
envergonhada disse:
- Não. Minha casa não é lugar para duas
princesas visitarem, a bagunça é grande, eu não tenho nada de interessante para
se ver.
- Vivian arrematou –
Não – Não somos princesas, queremos ver. - Vai... Deixa a gente ver a sua casa.
- Sendo assim! - Vamos.
As duas filhas do
doutor Zé adentraram na loca e constataram a pobreza e a tristeza do local, um
buraco com uma improvisada cama de tijolo sem colchão, coberta por pedaços de
pano velho, uma mala velha com farrapos que serviam para vestir a garota,
algumas frutas estragadas - Abraçadas choraram copiosamente.
- Meu Deus o quê é
isso? Como você aguenta morar aqui?
Enquanto as meninas
estavam dentro do buraco, o doutor Zé narrou à história de Simone, Dona Luiza
se comoveu profundamente, seus olhos lacrimejaram e com dificuldade para falar
pediu ao esposo que a levasse para casa.
- Essa menina não pode viver nessa loca, vamos
levá-la para casa, procuraremos os seus pais ou os seus responsáveis, se não
encontrarmos, o jeito é a adotá-la!
- Você quer fazer isso Luiza, a
responsabilidade é muita grande?
- Sim - Essa menina é especial, é uma
guerreira, uma coitada. Não é mesmo?
As três meninas saíram da loca ainda chorando.
Simone simpatizou-se com o seu Zé e com a sua esposa Luiza e com as suas filhas,
eram agora seus amigos e que quando eles quisessem poderiam vir para a sua
casa, pois as portas estavam abertas, isto é, se não fosse expulsa. Simone
observou que os quatro se abraçaram e sem receios choravam, uma cena altamente
emocionante e animadora, Simone sem entender direito, disse carinhosamente.
- Vamos acabar com esse chororô, obrigado por
me deixar viver aqui.
- Não. Não – Você vai morar conosco, vamos
providenciar os seus documentos, você precisa estudar, de agora em diante você
é a nossa filha.
JUARÊZ CARLOS
PRESIDENTE DA ACADEMIA PALMARENSE DE LETRAS – APLE
CADEIRA 4 – PATRONO HERMILO BORBA FILHO
Palmares, 24/05/2016
02 - CAMBITO
O Engenho Paul é uma propriedade rural
situada à margem esquerda de quem vem da capital do estado pela mais importante
rodovia federal, e também margeia uma pujante cidade banhada por um famoso rio
que oferece muitos benefícios aos habitantes ribeirinhos, além de benefícios
físicos, concretos, reais, o rio serve de inspiração para escritores, poetas,
romancistas, contistas e compositores, e até para os artistas plásticos criarem
suas magníficas telas que são imortalizadas pelo tempo. O Engenho Paul é um
marco indelével, por causas de suas histórias e abrigos de seus frequetadores.
A casa grande é situada num ponto estratégico, e dela pode se avistar toda a
cidade, uma casa construída no meado do século XIX, não é muita antiga, com se
percebe pela sua cronologia, entretanto a sua arquitetura remota dos tempos
antigos, as paredes de espessura gigantesca, construídas de grandes tijolos
crus, os experientes em construção civil afirmam que o seu modelo colonial
gótico é do início do primeiro milênio da era cristão, a parte térrea é
bastante arejada nota-se colunas gigantescas em forma de arco, dando um aspecto
de uma centopeia gigante, e serve para sustentar o pavimento superior, a casa
propriamente dita. Os seus proprietários, nobres pertencentes da coroa
portuguesa enchem-se de orgulho quando são visitados. Entre a rodovia federal e
a casa-grande tem uma fonte d’água, talvez a parte mais importante da
propriedade, é denominada a Bica de Paul, a fonte de água cristalina e potável jorra
da terra, como se fosse um geyser, desta maneira a bomba d’água não necessita
de energia elétrica, basta apenas acionar uma alavanca para o geyser jorrar a
preciosa água mineral, quando não se tinha na cidade água encanada, tratada
pelos sistemas de abastecimento, o povo do lugar ia a bica de Paul buscar água
para beber, e também se banhar na referida bica, assim pode-se ver crianças,
meninos, adolescentes, adultos e velhos indo à bica. Seus proprietários não se
incomodam com a multidão e até incentivam os habitantes da cidade, mesmo agora
que haja sistema de tratamento d’água. O caminho mais curto para os habitantes
da cidade irem até a Bica de Paul é a através da jangada do seu Biro Banguelo,
apelido que herdara quando os dentistas extraíram todos os seus dentes, tendo
em vista uma grave enfermidade odontológica, aconselhado a colocar prótese,
mesmo gratuitamente ele se recusa, dizendo.
- Eu me acho lindo assim, para que
ter dente se não tenho carne para comer não existe no mundo ninguém que me faça
usar dentadura, eu tenho um nojo medonho.
- Mas seu Biro o senhor fica mais
bonito, as meninas vão caírem em cima do senhor, deixando as meninas a sua
esposa o que acho disso.
- Ela até doutor acha bom - assim
quando eu a beijo não corre o risco de mordê-la, é o que ela diz, sabe eu já
estou acostumado, e como seria o meu nome se eu tivesse dentes, Biro Dentuço,
esse nome eu acho horrível. Não - Agradeço ao senhor a sua gentileza, mas eu
estou bem assim.
O Engenho Paul tem uma área
estrategicamente e propositalmente deixada para o cultivo nativo de
araçás-do-campo, uma goiabinha altamente gostosa, a meninada faz festa, às
vezes corre quando os empregados do engenho se aproximam, entretanto eles
recebem ordens para não deixarem apanhar, os meninos agradecem e tome dente nos
araçás.
- Não precisam correr o meu senhor
não se importa não.
- A meninada volta e se delicia, é
uma beleza!
Ao lado da Casa-grande
existe um campo de futebol, num local privilegiado, pois o mesmo se situa numa
baixada e as ribanceiras servem de arquibancadas, não só os futebolistas, mas
também a plateia que gosta de apreciar a garotada e os marmanjos baterem uma
bolinha, lamentavelmente, muitas vezes, a estudantada foge das salas de aulas
para vibrar com as jogadas de seus fãs jogarem, entretanto, isso faz parte da
juventude. Desse campo de futebol muitos jogadores se destacam no cenário do
maior esporte brasileiro, entre eles vamos encontrar o artilheiro Cambito. Cambitoa,
recebera esse apelido de seu tio Tião, devido a sua estatura e o seu corpo
ligeiramente encurvado para frente, as pernas longas e finas, assim o conjunto
formava um Cambito, {perna fina, de homem ou mulher, haste,
gancho ou suporte fino de madeira, cada uma das forquilhas ou ganchos em forma
de V, madeira, que se prendem às cangalhas de cada lado do dorso de
animas de carga}.
Cambito era órfão
de pai e de mãe, eles morreram num acidente automobilístico. Fora criado pelo
tio, irmão de seu pai, logo cedo o garoto se interessou pela bola, estudioso e
querido pelos seus colegas, era o melhor aluno do Ginásio Municipal, de
compleição atlética, se destacava nos torneios estudantis, um centroavante
nato, {jogador(a) que atua no ataque (camisa 9),
tradicionalmente entre o meia-direita e o meia-esquerda, no sistema WM entre o
ponta-direita e o ponta-esquerda, modernamente como ponta-de-lança; atacante,
centroatacante, comandante}, era
disputado por vários colégios da cidade em que morava e da região.
-
Menino o meu colégio oferece uma bolsa de estudo para você, quero formar um
time de gente grande, e você é o caro, você é muito bom, se topar é só procurar
a nossa diretoria, será um grande prazer tê-lo no meu colégio.
-
Agradeço, mas do meu querido ginásio eu não saio nunca, melhor só depois de
cursar o ensino fundamental, sabe diretor eu que ser alguém, eu quero me
formar, eu pretendo fazer odontologia para consertar a boca de Biro Banquela.
-
Olha menino! No meu colégio você poderá se sobressair no futebol, eu tenho um
convênio do melhor e o maior time de futebol da capital, você poderá se tornar
num jogador profissional.
-
Sabe de uma coisa deixe o tempo correr, eu ainda sou muito novo, se a sorte
aparecer para mim, poderá acontecer em qualquer colégio, mas por enquanto eu
não quero deixar o ginásio, mas uma lhe agradeço.
-
Cambito eu não vou desistir de você, seja no meu colégio ou em qualquer outro
da cidade eu estarei lutando para levá-lo para um time grande, a sua fama de
bom jogador corre pela capital, os melhores times têm interesse por você, não
deixe essa oportunidade passar, eu já falei com o seu tio e ele concorda comigo,
no torneio interescolar da próxima semana o olheiro do Esporte virar lhe
observar. Olha! A minha proposta está de pé.
-
Sei - Vou falar com o meu tio, o que ele resolver eu acatarei, devo tudo a ele,
ele é o meu tio, meu pai e minha mãe.
O
tio de Cambito tinha vinte e dois anos, começou a criá-lo quando o garoto tinha
seis anos, isto é, começou a criar o sobrinho com 14 anos, um menino ainda, uma
verdadeira tragédia, pois todos morreram no acidente, o ônibus em que viajavam
para capital tombou e vitimaram vinte e cinco passageiros que iam para um
encontro de casais na capital, Cambito e o tio escaparam porque não podia
participar do encontro que era apenas para casais. De sua família morreram:
Seus pais, seu irmão, sua cunhada e os pais dela, seis pessoas de sua família.
Abalado
com a tragédia, e refeito das emoções, a empregada doméstica da família criavam
os dois. Como sendo o velho tomava conta de Cambito. O tio estava concluindo o curso de educação
física, gostava de futebol, entretanto não podia jogar devido a uma ligeira
deficiência física, tinha uma perna maior do que a outra, mas era o melhor
treinador de futebol da cidade. Fora ele que incentivou o sobrinho a jogar. Os
garotos passaram por muitos obstáculos, sem pais e sem mães, apenas a velhota
para tomar conta deles. Viviam das pensões que os pais de Cambito deixaram,
eles eram funcionários públicos federais, vieram de Brasília gerenciarem o Departamento
Social Federal, ambos eram formados em assistência social.
JUARÊZ CARLOS
PRESIDENTE DA ACADEMIA PALMARENSE DE
LETRAS – APLE
CADEIRA 4
PATRONO HERMILO BORBA FILHO
PALMARES – PERNAMBUCO - BRASIL