MAIS UM CONTO
TROMBETA
A música toma conta da cidade, de
tudo e de todos - Um frenesi - Está impregnada na mente e na alma das pessoas,
principalmente as mais sensíveis aos efeitos sonoros, às vibrações da melodia, aos
ritmos, à percussão que atingem a alma, o corpo... Provocando tremores. O
observador impossibilitado de escutar, portador de deficiência auditiva é capaz
de afirmar que a pessoa está em transe, em crise nervosa. Os trejeitos, o
balançar do esqueleto, o sacudir da cabeça, o balançar dos quadris, o
ziguezaguear da cintura, o tremor das pernas, as evoluções dos braços se
assemelham a pessoas possessas por coisa ruim, pelo fute, pelo demo, pelo satã,
pelo capeta, pela loucura, (no bom
sentido), claro. É impossível se controlar ao escutar uma música, principalmente
uma boa música, a música predileta, aquela, o corpo se sacode todo numa
frenética alucinação. É a magia das ondas sonoras. As batidas sonoras criam
ondas que atingem em cheio o corpo, o coração, a alma, o intelecto, a
sensibilidade, a nostalgia, a saudade... O amor.
Não
se sabe com previsão o ano em que a Banda 15 de Novembro foi criada, sabe-se o
dia e o mês, até porque ela é chamada 15 de Novembro, talvez essa precisão não
seja tão significante, o importante é o que ela representa no cenário musical
de uma cidade.
Chegam
à cidade o funcionário da Rede Ferroviária, a esposa e um montão de filhos,
ainda pequenos, na verdade outros filhos nasceram nessa nova moradia. O
ferroviário dizia que o
seu nome foi cuidadosamente escolhido por seu avô que fora o principal maestro
da Banda da Polícia Militar do Estado. Dizem os passageiros do comboio
ferroviário que era pilotado pelo maquinista Menestrel que se deliciavam com a
qualidade das canções que ele entoava, não só com palavras, mas também ruídos
sonoros que imitavam os instrumentos de uma banda [...] tinha uma habilidade
fenomenal para produzir em sua boca os mais variados instrumentos, tanto de
sopro, como de percussão, Menestrel na verdade era uma banda de música
ambulante.
A
cidade não tinha banda de música, o povo reclamava a sua ausência, se queixava
e se sentia inferior aos povos das cidades circunvizinhas que ostentavam as
suas bandas e seus belos coretos nas principais praças de suas cidades, é bom
lembrar que nesse tempo não existia a televisão e outros meios que hoje sufocam
as bandas musicais e derrubam os seus históricos coretos, o que é profundamente
lamentável. Conta-se que uma cidade bem próxima a do que Menestrel morava, o
prefeito quis e conseguiu derrubar o coreto que se situava na principal praça,
um belíssimo prédio do século XVIII, o edifício era erguido com colunas no
estilo arquitetônico do Coliseu, (anfiteatro
em Roma, Itália, também chamado de Anfiteatro Flaviano ou Flávio, que foi
construído pelo imperador Vespasiano, entre 70 e 90 da era Cristã); pois
bem, o povo se revoltou e convocou a impressa falada e televisiva, mas com a
ajuda de grande aparato policial foi derrubado; entretanto o povo não o perdoou, derrotando-o nas urnas e jamais voltou a governar a cidade.
A
Banda 15 de Novembro era a atração maior da cidade, a escola de música,
qualquer atividade festiva, religiosa, cívica e fúnebre era solicitada para tocar
músicas de acordo com as circunstâncias, era bonito ver a banda desfilar garbosamente
pelas ruas, praças e avenidas. As crianças, os adolescentes, os adultos, os
velhos e os casais de namorados saiam de suas casas e se enfileiravam em frente
as suas residências para ver a banda passar, era uma beleza! Como era bom e
bonito assistir os hinos municipais, estaduais e nacionais, os dobrados das Forças
Armadas, os sucessos da época, isso traziam recordações tremendas, nostalgia e
saudosismo das coisas que não voltam mais, é profundamente lamentável a quase
extinção das bandas de músicas municipais.
-
Minha querida eu fui transferido e tenho oito dias para fixar nova moradia na
última estação da nova linha férrea, disse Menestrel a sua esposa.
-
Homem pelo amor de Deus! E agora - O que vamos fazer - Nossos filhos já estão
acostumados aqui? Como vão ser os estudos deles? É uma loucura, a cada dois
anos ter que mudar de cidade, somos retirantes. Querido, desde o dia que você
entrou na Rede Ferroviária a gente não tem mais sossego, seria melhor a gente
morar dentro de um vagão, dentro do trem.
-
Mulher, o que eu posso fazer, a máquina a vapor é a minha vida, é o meu
trabalho, eu não sei fazer outra coisa...
-
Eu sei, mas não é justo o que fazem com você - Quem mais sofre são as nossas
crianças, assim que elas se adaptam num lugar vem uma nova transferência - Você
não pode acabar com isso meu veio?
-
São determinações de cima, da alta cúpula da ferrovia - Certa vez eu fui
reclamar na presidência da Rede e lá me disseram que a opção de ficar ou sair era
minha - Eu disse: Se a opção é minha eu não aceito essa transferência - Sabe
que eles me disseram - Olhe! Se o senhor não quiser ir, nós não podemos
proibir, mas se não for o senhor será desligado da Companhia Ferroviária - Só
quero pessoas na Companhia que obedeçam as nossas ordens, é a lei, ficar ou largar.
Eu quis ainda justificar, entretanto eles não deixaram. Sabe mulher, tem jeito
não, tenho que obedecer, afinal de contas a maria fumaça é a minha mulher, ela
me acompanha por onde eu for.
-
Eita! – Veio, você está com a gota serena... É assim que você gosta de mim, né?
Que me ama, que me adora - É bichinho, eu também vou encontrar um trem para mim.
-
Mulher, acabe com isso, você só diz isso por que eu sou um apaixonado, a
máquina é máquina, você é um filé mignon, você é especial, você sabe que eu
estou brincando, eu não troco, não dou, não empresto e nem vendo a minha
gatinha.
- Arre
lá! Verdadeiramente você está com a morinha no couro.
- Vamos
deixar isso para lá, o que importa mesmo é a nossa transferência, a cidade que
vamos morar é a mais importante da Região Meridional, uma cidade bonita e
acolhedora, tem um centro comercial muito grande, uma rede de ensino muito boa,
tem escolas particulares, estaduais e municipais; eu fiquei sabendo que o
Ginásio Municipal é o melhor da região, estive lá e o diretor me disse que os
meus filhos podem se matricular. O chefe da estação ferroviária me informou que
os nossos filhos já estão matriculados, pois a Rede providenciou tudo,
inclusive uma casa pertinho da estação para a gente morar.
-
Vigi Maria! O que está havendo dessa vez, as outras mudanças foram um Deus nos
açude, moramos até num velho vagão de trem.
- É
verdade, a nova presidência é bastante humana e me prometeu que essa era a
última transferência, que eu pudesse ficar sossegado e que eu iria aposentar
ali.
- E
você acreditou homi?
-
Sim. Até por que ele é músico e prometeu que iria me ajudar na criação de uma
banda musical.
-
Eu sei que fazer uma banda é o seu sonho maior, mas precisa de muito dinheiro e
também de músicos. Por ventura na cidade tem alguém que toca algum instrumento?
-
Quando eu me hospedo lá, alguns músicos e aprendizes me procuram e estão
dispostos para participarem, a casa em que vamos morar tem um primeiro andar e
é lá que iremos fazer a sede da Banda, até já tem nome.
- E
você está endoidando, é? Acertar tudo sem me consultar? Eu não estou gostando,
até por que acredito que não vá dá certo fazer uma sede musical em nossa
moradia, e o barulho como vai ficar?
-
Não é um bicho papão como você está pintando, a casa é muito grande e o barulho
não vai atrapalhar.
-
Duvido muito, mas fazer o quê, você é o mandão, e a boba só tem que aceitar.
-
Não fique triste mulher, se não dê certo a gente arranja outro lugar, eu não
sou doido não.
-
Sim, como vai se chamar a banda?
-
15 de Novembro.
- E
por que 15 de Novembro, que nome mais besta é esse, não tem um nome melhor, que
faça referência a música?
-
15 de novembro é o dia que iremos aportar na cidade. Vamos arrumar as coisas, a
transportadora contratada pela Rede chegará às cinco horas da manhã do dia 15
de novembro. Nesses três dias não irei trabalhar, eles me deram para eu
providenciar tudo, inclusive a transferências escolares de nossos meninos. A
trabalheira vai ser grande, mas afinal a gente já está acostumado a mudar de
cidade. Vou confessar-lhe uma coisa, eu estou vibrando, lá o meu sonho será
realizado, a fundação da banda musical me dará a oportunidade de ensinar música
para aquele povo que gosta de música e de poesia.
No
dia 15 de novembro a família de Menestrel começou uma nova vida, a acolhida foi
maravilhosa, os habitantes, principalmente os interessados em música derem uma
ótima recepção, chegamos à frente de nossa residência ao som de música, comidas
típicas, como: Buchada, mão-de-vaca, toicinho, guisado, Sarapatel, xerém,
pé-de-moleque, pamonha, munguzá, canjica, milho assado, milho cozido, e outros
- Fogos de artifícios e foguetões e faixas saudando o Maestro Menestrel – O
barulho foi grande, a festança também, o povo gritava, Viva o Maestro Menestrel!
O
povo da cidade estava ansioso para ver o sonho ser realizado. A ansiedade e
expectativa eram enormes, para fundarem uma banda de música, na verdade outros
tentaram, porém não conseguiram, na época não era fácil encontrar um maestro e
quando aparecia cobrava um alto valor, o que inviabilizava o projeto, o poder
público não dava valor e até xingava os sonhadores dizendo:
-
Para que banda de música, a minha cidade não é para malandro, música é coisa de
preguiçosos, não dou um tostão - Vão trabalhar vagabundos...
Essa
era a grande realidade de vários prefeitos que governavam as cidades, a música
era coisa de vagabundo e os músicos eram pessoas preguiçosas que não querem
nada com a vida, são boêmios, namoradeiros, raparigueiros, fofoqueiros, fanfarrões,
menestreis da vida e que não merecem confiança. Teve um prefeito que com a
anuência do poder legislativo criou uma lei proibindo as manifestações musicais
nas ruas, nas praças e nas avenidas, foi uma confusão dos diabos, muita gente
foi presa, fazer serenatas, nem pensar, na verdade essa lei durou pouco, pois
um dos filhos do prefeito fora preso fazendo uma serenata para um amor
impossível, a guarda municipal que não o conhecia o prendeu baixando o
cassetete na moçada, o filho do prefeito levou a pior fraturara um dos braços. O
imbróglio repercutiu desfavorável para as pretensões do prefeito que se
candidatara para deputado estadual, sentira-se
injustiçado, a guarda municipal foi desfeita e a lei foi revogada.
Os
tempos mudaram. A Banda 15 de Novembro faz parte ativa e principal peça das
festanças e celebrações e comemorações da cidade, na principal praça fizeram um
coreto, nos dias de festas após desfilarem pelas principais ruas e avenidas os
músicos sobem no coreto e tocam músicas que a todos encantam: Dobrado, marcha, samba,
ópera, bolero, xote, maracatu e baião e outros ritmos. A cada música o povo
aplaude freneticamente, e muitas vezes o povo pede para tocar aquela música para
matar a saudade dos entes queridos, dos bons momentos da vida.
A
Banda 15 de Novembro faz história na cidade, é convidada para tocar nas cidades
vizinhas e na capital do estado, muitas vezes tocou no palácio do governo
estadual a convite de correligionários políticos que em busca de votos ou não
colaboravam com a banda, desse modo, a 15 de Novembro tornou-se famosa.
Os
familiares de Menestrel são todos músicos e componentes da banda, o maestro
enche-se de orgulho ao afirmar que com a sua morte a 15 de Novembro continuará;
pois o seu filho caçula Trombeta faz parte do Conservatório de Música da Capital,
um exímio baterista, tecladista, saxofonista, além de instrumentista é também
poeta, compositor e dotado de uma excelente voz, considerado o melhor cantor do
Nordeste.
Com
o falecimento do Maestro Menestrel a banda 15 de Novembro continuou firme mesmo
com alguns contratempos por muito tempo, entretanto com o surgimento dos
conjuntos musicais, das bandas de forró, do Axé Music, das músicas eletrônicas
veio à decadência, os filhos de Menestrel se separaram e formaram bandinhas e
conjuntos, outros se aliaram as principais bandas do país. O Conjunto Musical
Menestrel, organizado por Trombeta faz sucesso mundo afora.
-
Maestro Trombeta estou precisando de umas letras e músicas para o meu novo
trabalho que irei lançar em breve, um álbum temático, com insinuação da música
sertaneja, tenho escutado as suas composições, acho-as divinas.
-
Olá quem está falando.
-
Não está reconhecendo a minha voz, sou eu, o Rei do Rock.
-
Ah! Meu amigo que honra escutá-lo - Está brincando comigo?
-
Não Maestro Trombeta, sabe de uma coisa, além das composições eu gostaria que
você fizesse parte de minha banda, o lugar de maestro é seu, isto é, se você
quiser.
-
Ora amigo - Você tem o melhor maestro do país - O que este pobre coitado
nordestino voltado para as coisas do Nordeste irá fazer no Sul do país?
-
Me admira muito este seu pensamento, a música não tem fronteira, não tem
município, não tem estado, não tem país, ela é universal. Vou contar um segredo
- Muitas composições de sua autoria estão fazendo um enorme sucesso no continente
europeu.
- É
mesmo? Eu não estou sabendo. Isso é brincadeira, eu estou sabendo e até
faturando os direitos autorais. Outro dia recebi um telefonema de um cantor de
Londres dizendo que queria me conhecer, comprar umas canções de minha autoria e também fazer uma turnê
pela Europa, ele falou que eu aguardasse que em breve eu receberia uma comitiva
para acertar os detalhes da jornada.
-
Eu estou sabendo Trombeta, inclusive eu estarei me apresentando por vários
países europeus e africanos, tenho autorização dele para levar você e sua
banda.
Alguns
dias se passaram e um mensageiro do Pop Star esteve com Trombeta, todos os
detalhes foram acordados e esclarecidos para a turnê fora do país, uma proposta
excelente, colocaram um jatinho à disposição da equipe de Trombeta. Quanto à
proposta do Rei do Rock essa não vingou, pois Trombeta se tornou um mito da
música regional no mundo inteiro.
JUARÊZ
CARLOS
MEMBRO
E PRESIDENTE DA ACADEMIA PALMARENSE DE LETRAS
CADEIRA
4 -
PATRONO HERMILO BORBA FILHO